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ISSN 2753-4812
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Os Quatro Incomensuráveis

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Um Extenso Comentário aos Quatro Incomensuráveis

de Buddhagupta

Bondade amorosa, compaixão,
Alegria empática e equanimidade -
Como cultivar com diligência
Estes grandes incomensuráveis, irei agora explicar.

Focarmo-nos em incomensuráveis seres sencientes traz incomensuráveis acumulações, incomensuráveis qualidades e uma incomensurável sabedoria primordial.

Incomensuráveis Seres Sencientes

Não é possível calcular o número total de seres sencientes, dizendo: “Isto é quantos existem nos três reinos.” Diz-se, portanto, que os seres sencientes são incomensuráveis. Como disse o Bhagavān no Nobre Sūtra que Ensina a Grande Compaixão dos Tathagatas:

Filho de nobre família, os seres sencientes que vivem num espaço do tamanho de uma roda de carruagem, visíveis a um Tathagata, são extremamente numerosos. Mas relativamente aos deuses e seres humanos existentes nos biliões de sistemas planetários do vasto universo não é assim: os reinos desses seres sencientes imperceptíveis são incomensuráveis.

Assim, como os incomensuráveis reinos de seres sencientes estão além da compreensão, diz-se que os seres sencientes são incomensuráveis.

Podes perguntar-te: ao cultivar os incomensuráveis, como devemos focar-nos nos incomensuráveis seres sencientes e meditar?

Todos os seres sencientes dos três reinos têm circulado pelos mundos superiores e inferiores ao longo de um tempo interminável tendo por base o poder do seu karma individual. Como não há ninguém que, no decorrer deste deambular, não tenha estado próximo de nós muitas centenas ou milhares de vezes, reflecte: "Estes são os meus entes queridos!" E permanece em equanimidade, estendendo os quatro incomensuráveis a todos os seres sencientes. É a isto que se chama focarmo-nos em incomensuráveis seres sencientes.

Incomensuráveis Acumulações

As incomensuráveis acumulações são as de mérito e sabedoria. Todos os quatro incomensuráveis são, neste sentido, a causa, pois são a causa ou a essência da geração de infinitas acumulações de mérito e sabedoria. Assim, nos sūtras, o Bhagavān também diz:

Filho de nobre família, fazer oferendas a alguém que esteja a meditar no samādhi da bondade amorosa, e que ainda não se tenha levantado do seu lugar, cria um incomensurável mérito.

Se tanto mérito pode ser obtido simplesmente fazendo oferendas a alguém que esteja a treinar na incomensurável bondade amorosa e restantes, que comparação poderá haver com a situação em que nós mesmos praticamos efetivamente estes incomensuráveis e neles meditamos? A quantidade de mérito gerado dessa forma será muito, muito maior.

É assim que são produzidas reservas incomensuráveis de mérito e sabedoria. Estas, então, servem para gerar uma coleção ilimitada de qualidades que, por sua vez, produz uma sabedoria ilimitada.

Incomensuráveis Qualidades

As qualidades incomensuráveis são os grandes atributos da iluminação, como os poderes, os destemores e outros. Elas são o resultado das acumulações de mérito e sabedoria adquiridas pelo cultivo dos quatro incomensuráveis. Já que são eles que nos trazem as grandes qualidades da iluminação, devemos aplicar-nos seriamente a estes quatro incomensuráveis.

Incomensurável Sabedoria Primordial

Estes quatro dharmas - os quatro incomensuráveis - são o objeto de foco da incomensurável sabedoria primordial dos Tathagatas. Por outro lado, pode dizer-se que a própria sabedoria primordial reside no estado, ou constitui a essência, dos quatro dharmas da bondade amorosa e restantes. É isto que se pretende dizer quando se fala de uma esfera de experiência, ou uma essência, na qual o objeto de cognição é inseparável da própria consciência cognitiva.

Bondade Amorosa

No estágio da 'conduta dedicada', um bodhisattva experiencia os "quatro factores de determinação": obtenção da aparência, aprimoramento da aparência, envolvimento parcial no significado da natureza dos fenómenos,[1] e o samādhi desobstruído. Para esses bodhisattvas que experienciam estes quatro fatores de determinação, deuses, seres humanos, pretas e similares, assim como seres dos reinos infernais, todos são directamente perceptíveis através das suas faculdades apuradas. Quando eles vêem estes deuses, humanos e outros, bem como os seres nos reinos inferiores cuja própria natureza é o sofrimento, estes bodhisattvas sentem uma compaixão particularmente forte por eles. Ao mesmo tempo, percebem que estes seres têm circulado no saṃsāra ao longo de tempos intermináveis e, portanto, com todos sem excepção tiveram já laços estreitos. Como consequência, sentem uma grande bondade amorosa para com todos, cuidando deles como se fossem os seus próprios filhos. Aspiram a que todos os seres sencientes possam libertar-se do sofrimento e conheçam apenas a felicidade, e agem para beneficiar todos os seres. Isto é denominado de bondade amorosa focada nos seres sencientes.

Os bodhisattvas do primeiro ao sétimo bhūmis geram bondade amorosa para com os seres sencientes através da realização direta da natureza das coisas. Embora todos os fenómenos careçam de qualquer natureza verdadeira, os seres sencientes não compreendem isto e, agarrando as coisas como reais, deambulam pelos três reinos. Estes bodhisattvas, portanto, sentem bondade amorosa em relação aos seres que sofrem deste modo. Fazem aspirações para que esses seres possam realizar a verdadeira natureza e agem para o benefício de todos através do Dharma. Isto é denominado de bondade amorosa focada nos fenómenos.

Do oitavo bodhisattva bhūmi em diante, até à realização da iluminação, corresponde ao nível de "realização espontânea, livre de foco." A partir do oitavo bhūmi, os bodhisattvas geram bondade amorosa para com os seres sencientes enquanto agem em seu benefício de forma espontânea e não-conceptual. Eles agem em prol dos seres como se fossem uma jóia-dos-desejos ou uma árvore que realiza desejos. Embora estes bodhisattvas sejam desprovidos de pensamentos vulgares, ainda assim uma grande bondade amorosa surge espontaneamente através do poder das suas aspirações passadas, e agem para alcançar o benefício dos seres. Isto é denominado de bondade amorosa livre de foco.

De que modo, então, podem os seres comuns, que estão apenas no início, treinar na bondade amorosa focada nos seres sencientes? Um iniciante deve meditar sobre a bondade amorosa focada nos seres sencientes, de acordo com as seguintes etapas.

Existem três tipos de seres sencientes: 1) aqueles que estimamos, 2) aqueles a quem somos indiferentes e 3) aqueles de quem não gostamos. Os seres sencientes que estimamos podem depois ser subdivididos em três: grau maior, mediano e menor. Da mesma forma, quem nos é indiferente e aqueles de quem não gostamos podem também ser subdivididos em três categorias de grau maior, mediano e menor. Portanto, ao todo, existem nove divisões.

A princípio, visualiza alguém que estimes medianamente e pratica sentires, em relação a ele, como te sentes com aqueles que estimas em maior grau, como os teus próprios pais. Quando estiveres familiarizado com isto, visualiza todos aqueles a quem és indiferente e pratica sentires, em relação a eles, da mesma forma como te sentes com aqueles que mais estimas. Em seguida, visualiza aqueles de quem não gostas ligeiramente e pratica sentires, em relação a eles, como te sentes com aqueles que mais estimas. Depois de te acostumares a isto, visualiza alguém de quem não gostes medianamente e pratica sentires, em relação a ele, como te sentes com aqueles que mais aprecias. Por fim, considera as pessoas de quem realmente não gostas e treina de forma a sentires por elas o tipo de amor que sentes pelos teus próprios pais.

Por meio deste processo, podemos treinar em focarmo-nos em todos os seres sencientes que, ao longo de um tempo sem início, nos foram queridos e foram até os nossos próprios pais. E, à medida que treinamos desta maneira, mesmo começando por nos focarmos apenas nos membros da nossa própria família, gradualmente estendemos a prática até que ela seja infinita.

Compaixão

A compaixão focada nos seres sencientes que sofrem é o desejo compassivo de dissipar os sofrimentos de todos os seres, que são atormentados pelos três sofrimentos (o sofrimento do sofrimento, e os outros) ou pelos oito sofrimentos (do nascimento, e assim por diante).

A compaixão focada nos seres sencientes que cometem más ações é o desejo compassivo de eliminar todas as ações prejudiciais dos seres cuja conduta é não-virtuosa, pois elas são a raiz ou causa dos sofrimentos agora mencionados.

A compaixão focada nos seres sencientes que não estão completamente libertados, pois carecem das condições necessárias, é dirigida àqueles que não conseguem ouvir o Dharma, pois carecem de um mentor espiritual. Como diz num tantra, "Aqueles que não seguem um mestre, que não ouvem o Dharma e que não estão libertados, são libertados através da compaixão."

Alegria Empática

A alegria empática é o deleite nos vários tipos de riqueza que os seres sencientes possuem: bens materiais, Dharma e felicidade.

A alegria empática focada em perfeitamente completar as acumulações é a alegria que sentimos em relação às nossas grandes acumulações de virtude.

A alegria empática focada no degustar do sagrado Dharma é a alegria que sentimos quando nós (e outros) experienciamos o paladar de escutar o Dharma, ou o paladar da contemplação e da meditação.

Equanimidade

Aqueles que agem para o bem-estar dos seres sencientes devem ter equanimidade em relação tanto aos mais, como aos menos, afortunados. Em vez de fazermos distinções, agindo apenas em benefício dos mais afortunados e nunca em favor dos menos afortunados, devemos agir em benefício de ambos em igual medida.

A expressão “oito preocupações mundanas, incluindo ganho e perda” também se refere à felicidade e sofrimento, elogio e crítica, estatuto e anonimato. Não sentindo nem deleite nem revolta relativamente a estas situações, devemos permanecer em equanimidade. Estas oito preocupações mundanas são assim chamadas porque são elas bem conhecidas daqueles presos à mundanidade, e sendo nestes que elas se encontram.

Como mantemos a equanimidade em relação a estas oito preocupações?

Supõe que adquires uma grande riqueza ou uma grande quantidade de posses: não te deixes exaltar ou apegar demasiado a elas. Por outro lado, se a tua riqueza ou posses diminuir, ou fores incapaz de as conquistar, não te sintas desanimado ou triste. Isso é denominado de equanimidade que é livre de felicidade e tristeza perante ganhos e perdas.

Mesmo que alguém por quem te sintas atraído ungisse o teu corpo com perfume, sândalo e afins, te acariciasse e tratasse com honra e respeito, não deverás ficar radiante ou apegado a tais prazeres. E mesmo que um inimigo abusasse de ti fisicamente, batendo-te e desferindo-te golpes, não deverás ficar com raiva. Em vez disso, aceita com alegria a dor de ser atingido e espancado, em vez de te concentrares no sofrimento. Isto é denominado de equanimidade que é livre de felicidade e tristeza perante alegrias e sofrimentos.

Se um amigo te elogiasse com palavras doces, descrevendo-te em termos reluzentes, não deverias sentir-te encantado ou considerares-te superior. Enquanto que se um inimigo descobrisse as tuas falhas e as proclamasse, não deverias ficar triste ou deprimido. Isso é denominado de equanimidade que é livre de felicidade e tristeza perante elogios e críticas.

Mesmo que muitas pessoas venham a ouvir falar de ti e a conhecer os teus talentos, não te delicies com este reconhecimento dos teus atributos, pensando: "Agora que tantas pessoas conhecem as minhas boas qualidades, certamente serei famoso e nunca serei esquecido!" Por outro lado, se poucas pessoas ouvem falar de ti ou reconhecem as tuas qualidades, não te sintas triste, pensando: "As minhas qualidades estão a ser negligenciadas. Que pena!" Isto é denominado de equanimidade que é livre de felicidade e tristeza perante o reconhecimento ou não das nossas qualidades.

"Acumulações" refere-se às acumulações de mérito e sabedoria já explicadas acima. A equanimidade em relação ao completar das acumulações em ocasiões especiais e banais significa que não devemos fazer distinções, pensando: "Vou praticar acumulações virtuosas nesta ocasião, mas não noutras alturas." Em vez disso, devemos praticar virtude em todos os momentos.

Em referência a todos os treinos meditativos
Nos quatro incomensuráveis, os estados 'Brâmicos',
Compus e registei isto em prol dos seres:
Possam todos remover os seus obscurecimentos, despertando rapidamente!

Isto conclui Um Extenso Comentário aos Quatro Incomensuráveis, composto por Buddhagupta.


| Traduzido do tibetano por Samye Translations, 2011. Revisto e editado para Lotsawa House, 2016. Traduzido do inglês por André A. Pais, 2021.


  1. “Suchness,” as coisas tal como são; dharmata, vacuidade.  ↩

Buddhagupta

Padmapāṇi, Ajanta

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