The Home of Tibetan Buddhist Texts in Translation
ISSN 2753-4812
ISSN 2753-4812

Debate Entre a Vigília e o Sonho

English | Deutsch | Français | Português | བོད་ཡིག

Uma Sinfonia Ilusória:

A Canção do Debate Entre a Vigília e o Sonho

Por Mipham Rinpoche

Om Swasti (que tudo possa ser auspicioso),

Inclino a coroa da minha cabeça para a nobre divindade Manjushri! Agora compartilharei o seguinte discurso.

Em relação às aparições do sonho na noite anterior e a experiência direta do estado de vigília corrente, elas são semelhantes pois ambas produzem apego e semelhantes pois ambas terminam.

O Sonho sustenta que as aparências oníricas são verdadeiras; a Vigília, sustenta que as aparências presentes quando acordados são verdadeiras; Sonho e Vigília agora debatem quem está certo.

Vigília declara arrogante e exageradamente: “Sonho da noite anterior você é a aparência de Delusão.”

Sonho, a exibição mágica, responde: “Não apenas eu, mas você também é a aparência de Delusão.”

Vigília replica: “agora não é uma delusão, mas realmente existe. A prova em si é que objetos de percepção realmente aparecem.”

Ao que, Sonho responde: “Mas à noite eles também aparecem, de modo que não é conclusivo.”

[Vigília:][1] “Mas não existem agora, então é definitivo”

[Sonho:] “As aparências deste dia não existirão amanhã, então, não é conclusivo”

[Vigília:] “Eu percebo diretamente com os sentidos, portanto, é conclusivo”

[Sonho:] “Mas eu também percebo diretamente com os sentidos, então, não é conclusivo.”

[Vigília:] “Minhas aparições têm longa duração e são estáveis, portanto, são conclusivas!”

[Sonho:] “Mas tudo tem uma duração, seja curta ou longa, em ambos os nossos estados”

[Vigília:] “Quando você sonha com montanhas rochosas, pode caminhar sem obstáculos através delas! Aceitarei que você é verdadeiro, se isso puder ser feito enquanto estiver acordado.”

[Sonho:] “Isso também pode ser feito enquanto acordado estando presente as condições apropriadas, mas mesmo durante o sono, sem condições, não é possível.”

[Vigília:] “Mas isso pode acontecer no sonho, mesmo que não hajam condições.”

[Sonho:] Se fosse assim, por que nem sempre é possível?”

[Vigília:] “Para você entes queridos falecidos a quem amamos existem, assim como o nascimento de filhos e netos que você não tem! Para mim essas coisas não existem.”

[Sonho:] “Acontece que eu tenho essas coisas!

[Vigília:] "Se a presença deles não estabelece sua existência real, como as crianças e assim por diante existem para você?

[Vigília:] “Os mortos voltam a viver. O que é não existente, pode se materializar. Mesmo que existam para você, é como se não existissem.”

[Sonho:] “Eu vejo o que cessou para você; o que não existe para você nasceu para mim; mesmo que não existam para você é como se existissem.”

[Vigília:] “Embora você tenha desfrutado de um banquete com deliciosas comidas e bebidas ontem à noite, isso não alivia sua fome nem sacia sua sede pela manhã.”

[Sonho:] “Durante o dia, você pode tirar uma soneca em uma mansão, mas isso não o protege da chuva no sonho da noite seguinte.”

[Vigília:] “Isso não tem a menor importância, são suas próprias projeções ilusórias!”

[Sonho:] Bem, sensações de sede e assim por diante também são baseados em projeções ilusórias.”

[Vigília:] “O sonho noturno é reconhecido como falso durante o dia e como poderia o Sonho estabelecer que o que é visto durante o dia é falso?”

[Sonho:] “As experiências noturnas expõem as falsidades do estado de vigília. Como as experiências de vigília poderiam refutar as experiências de sonho?”

Então Jnana, o Juiz-mor, intervém, “Convoco para arbitrar este tópico de conhecimento a Cognição Plena”

[Cognição Plena] dirigiu- se aos dois debatedores da seguinte forma: Agora caso continuem discutindo desta maneira, muito mais detalhes poderiam ser fornecidos, mas a evidência já é suficiente! Vou examinar o que disseram.”

“Vocês dois são reais e vocês dois são irreais. Se não forem examinados, cada um de vocês parecerá realmente existir. Mas quando investigado, a falha oculta de um expõe a do outro. Na realidade, vocês são o mesmo.”

“Ambos não existem verdadeiramente; ainda assim Sonho admite que sua ilusão é ilusão! Portanto, Sonho é genuinamente honesto. Enquanto você Vigília, mesmo sendo delirante, nega estar iludido! Ainda esta apegado à sua posição, você não ganhou o seu caso. Embora Sonho pareça estúpido mostrou-se perspicaz; Vigília mesmo que pareça brilhante, mostrou-se deveras ignorante e confuso.”

“A diferença de constância ou inconstância se deve às tendencias habituais. Além disso, não há diferença entre vocês dois em termos de serem resultados.”

“Agora [Vigília], siga o exemplo do Sonho e una sua visão e conduta para se tornar igual à dele.”

Tendo assim se pronunciado [Cognição Plena] restringiu Vigília com o laço da Recordação, entregou-o nas mãos do Sonho dizendo:

“Vocês dois não devem debater. Coexistiam harmoniosamente! Se vocês estiverem em conflito, isso trará o demônio da calamidade para os bilhões de universos Ao passo que caso se harmonizem, servirão como os guias durante os três tempos. Se entenderem isso, ambos se beneficiarão.”

A partir de então, Sonho e Vigília reconheceram que não há diferença entre os dois e que não existe um em oposição ao outro; equalizando tudo o que é visto e tudo o que é encontrado. Sua disputa foi resolvida e suas percepções tornaram-se as mesmas. Juntos, Vigília e Sonho cantaram esta canção improvisada ligeiramente complicada e sem sentido:

“Para aqueles que dizem que somos dessemelhantes e diferentes: Você está enganado! Somos parecidos e iguais.”

“Como poucos falam dessa semelhança, menos ainda a entendem.”

“Se durante o dia você sabe que o estado de vigília é semelhante e igual [a um sonho], e se durante a noite você não confundir o sonho com um sonho, servirá a um propósito muito importante.

Aqueles que estão confusos sobre isso, percebem [estados de vigília e sonho] como aparecendo distintamente em um padrão alternado.”

“Se alguém examinar isso cuidadosamente, conforme as instruções orais do Rei da Ilusões Mágicas, e não se prender meramente às palavras, então [por conta] de nossa alegre amizade, eles poderão saborear a doçura do mel, sem comê-lo; desfrutarão de diversão inebriante sem beber e assistirão a uma incrível performance espontânea.

“Ahh!! Não existe nenhuma instrução essencial mais profunda do que esta. Então, guardem isso em seus corações!”

Deste modo, tanto o estado de vigília quanto o de sonho tornaram-se um e esta união dissolveu-se no espaço.

Então Prajña[2], o mediador proferiu seu resultado para o Rei da Cognição Pristina[3]. O Rei ficou encantado, e assim declarou:

“Seu conselho é muito sábio. De agora em diante, você pode ganhar liberdade alcançando os confins do espaço, como o voo do grande garuda.”

“Eu confiro a você este meio real de espaço indestrutível. Agora, sustente-o, kye!!

“Lá, as flores no jardim do espaço, curvam-se e vibram com o doce mel.

“Vá, coma dele e coma novamente, sua fonte nunca se esgotará!

“Lá, a filha de uma mulher estéril brinca contente em sua forma bela e perfeita” “ofereço a você esta rainha consorte eterna para se unir e se deleitar.”

“Como o néctar comparado ao vômito, a alegria de estar em sua companhia,” “liberará todo apego e desejo pelos prazeres da existência.”

Diz-se que então a Cognição Plena seguiu esta instrução e finalmente se fundiu e se dissolveu no Rei da Cognição Pristina. Essas palavras simbólicas, ornamentalmente compostas em ritmo, são facilmente compreendidas com um exame cuidadoso, mas difíceis de entender sem exame. Eles têm grande significado quando são contemplados, mas têm pouco significado sem contemplação. Estes foram escritos em Dechen Gawa Khyil por aquele chamado Dhi.


| Traduzido do tibetano por Sergio de Senna Correa, 2025.


Bibliografia

Edição Tibetana

mi pham rgya mtsho. "sad rmi rtsod pa'i glu sgyu ma'i rol mo dgu 'gyur" In gsung 'bum/_mi pham rgya mtsho. 32 vols. Chengdu: Gangs can rig gzhung dpe rnying myur skyobs lhan tshogs, 2007. (BDRC W2DB16631). Vol. 32: 652–656


Versão: 1.1-20250415


  1. Quando uma palavra ou expressão estiver entre [] é por que as mesmas não se encontram no texto, mas são necessárias para um melhor entendimento visto que o leitor pode não ter acesso ao comentário oral.  ↩

  2. Cognição ou Sabedoria Plena  ↩

  3. Opcionalmente Sabedoria Pristina ou Primordial  ↩

Mipham Rinpoche

Ju Mipham Namgyal Gyatso

Este site usa cookies para coletar estatísticas de uso anônimas e aprimorar a experiência do usuário.
Decline
Accept