As Instruções do Mahāmudrā do Ganges
English | Español | Français | Português | 中文 | བོད་ཡིག
As Instruções do Mahāmudrā do Ganges
por Tilopa
Na língua da Índia: Mahāmudrā Upadeśaṃ
Na língua do Tibete: Chag-gya Chen-pö Men-ngag (phyag rgya chen po'i man ngag)
Homenagem à Gloriosa Coemergência!
1. Sábio Nāropa, aceitaste o sofrimento
E, por devoção ao guru, suportaste todas as dificuldades.
Assim sendo, afortunado discípulo, leva estas instruções a peito!
2. O Mahāmudrā não pode ser explicado;
Porém, no espaço, o que é que depende do quê?
Da mesma forma, a tua própria mente—Mahāmudrā—é desprovida de qualquer alicerce que a suporte.
Quando repousas num estado natural e inalterado, as amarras são soltas e és indubitavelmente libertado.
3. Quando contemplas a essência do céu, conceitos fixos relativos a "centro" e "limite" cessam.
Da mesma forma, quando a mente observa a mente
Os pensamentos cessam e verás a natureza da mente.
4. Quando a neblina e as nuvens se dispersam no céu,
Elas não vão nem permanecem em lugar algum.
Do mesmo modo, as ondas do pensamento que surgem na mente
Desaparecem quando esta se vê a si mesma.
5. Já que o espaço transcende cor e forma,
Ele é imutável, não tingido de negro ou branco;
Também a tua própria mente está além de cor e forma,
Não contaminada pelos fenómenos brancos e negros do bem e do mal.
6. Tal como a essência brilhante do sol
Não é obscurecida pela escuridão de mil eras,
Também a essência luminosa da mente
Não pode ser obscurecida por infinitas vidas passadas no saṃsāra.
7. Embora o espaço possa ser descrito como "vazio,"
O espaço em si não pode ser expresso dessa forma.
Do mesmo modo, embora a natureza da mente seja descrita como "luminosa,"
Não há base para a designar com tal expressão.
8. Assim, a natureza da mente é como o espaço;
Nenhum fenómeno existe que não esteja aí incluído.
9. Abandona todas as atividades físicas e repousa relaxadamente.
Em silêncio, deixa que as palavras sejam como um eco.
Sem um único pensamento, olha para a experiência definitiva que reside além da mente.
10. O corpo é desprovido de essência, tal como a cana oca de um bambu.
A mente, como o espaço desimpedido, transcende a esfera do pensamento.
Liberta a tua mente neste estado, nem a confinando nem a deixando vaguear.
11. A mente livre de qualquer foco é o Mahāmudrā.
Familiarizando-te com isto, alcançarás o supremo despertar.
12. Os proponentes dos veículos do mantra secreto e dos pāramitās,
O vinaya e outras autoridades escriturais,
Discorrendo sobre os seus tratados e tradições filosóficas,
Não revelarão a luminosidade do Mahāmudrā.
13. Ofuscada pela crescente maré de desejos, a luminosidade não pode ser discernida.
Observando os votos conceptualmente, trais a essência do verdadeiro samaya.
Numa mente desprovida de atividade e livre de todo o querer,
Os pensamentos vão e vêm por si próprios como o ondular da água.
Nem focado num objeto, nem repousando em ponto algum, se não te afastares da verdade em si,
O samaya imaculado será uma luz na escuridão.
14. Se, livre de qualquer desejo, não habitares os extremos,
Verás o significado dos ensinamentos do Buda—todos sem exceção.
Se abraçares esta verdade, serás libertado da prisão do saṃsāra.
Se repousares nela uniformemente, os véus da negatividade e ignorância serão incenerados.
Por esse motivo ela é conhecida como "tocha dos ensinamentos."
15. Os tolos que não se interessam por esta verdade
São interminavelmente levados pelas torrentes de saṃsāra,
E a sua miséria nunca terá fim.
O quão triste é sofrerem as dores intoleráveis dos estados malignos!
Se buscas libertar-te destes tormentos, segue um guru autêntico,
Pois quando as suas bênçãos em ti se infundirem, a tua mente será libertada!
16. Kyeho! Já que o envolvimento em questões mundanas é causa de sofrimento sem sentido
E é desprovido de essência, olha para a essência da verdade última.
Transcender todas as noções dualistas de observador e observado é a rainha das visões.
Ser livre de distrações é a rainha da meditação.
Ação isenta de qualquer esforço deliberado é a rainha da conduta.
Não cair em expectativas ou medos é realizar a fruição.
17. A mente é luminosa por natureza, desprovida de qualquer ponto de referência.
Sem que haja um caminho para trilhar, entras no caminho dos budas.
Familiarizarando-te com a não-meditação, alcançarás o despertar insuperável.
18. Ai! Observa atentamente os fenómenos mundanos.
Como sonhos e ilusões, eles são breves e transitórios;
Na verdade, sonhos e ilusões não existem de todo.
Assim, cultiva renúncia e abandona as atividades mundanas.
19. Tendo cortado as amarras do apego e aversão a pessoas e lugares,
Medita sozinho em florestas e abrigos de montanha.
Permanece aí num estado natural de não-meditação.
Realizando que nada há a realizar, realizas o Mahāmudrā.
20. Cortando a raiz de uma árvore viva,
as suas centenas de milhares de ramos e folhas murcharão.
Da mesma forma, cortando a raiz da mente, a folhagem do saṃsāra perecerá.
21. A escuridão de mil eras
É dissipada pela luz de uma única lamparina.
Da mesma forma, a claridade luminosa da mente instantaneamente
Dissipa as negatividades e obscurecimentos acumulados durante eras.
22. Kyeho! O intelecto não consegue ver a verdade que transcende o intelecto.
Não descobrirás, por meio de ações deliberadas, a verdade que está além da ação.
Se queres alcançar a verdade que transcende mente e esforço,
Corta a raiz da mente e repousa numa presença não-fabricada[1].
23. Deixa a água conspurcada por pensamentos discursivos assentar naturalmente.
Sem afirmar ou negar o que surge, deixa tudo tal como está.
Livre de aceitação ou rejeição, as aparências são libertadas em Mahāmudrā.
O não-nascido solo-de-tudo é livre dos véus obscurecedores das impressões kármicas.
Repousa na essência não-nascida sem discriminar entre meditação e pós-meditação.
Quando reconheceres as aparências como auto-projeções, os fenómenos produzidos pela mente conceptual cessarão.
24. A completa libertação de todos os extremos é a mais sublime rainha das visões.
Ilimitada, profunda e vasta é a mais sublime rainha da meditação.
Fluir naturalmente e sem esforço é a mais sublime rainha da conduta.
Fluir naturalmente, livre de qualquer expectativa, é a mais sublime rainha das fruições.
25. No início, a mente é como uma enchurrada, rugindo montanha abaixo.
Mais tarde, ela flui suavemente como o rio Ganges.
Finalmente, é como um regato retornando ao mar—o seu pai.
26. Aqueles de inferior capacidade, não conseguindo manter este estado,
Devem segurar os pontos-centrais dos ventos e projetar a consciência na essência.
Manipulando o olhar e focando a mente de variadas formas,
Perseverem até permanecerem em presença[2].
27. Quando praticares com consorte, a sabedoria do êxtase-vacuidade surgirá;
Entras assim em união—a bênção de método e sabedoria.
Fá-la descer lentamente, segura-a, inverte-a e dirige-a de volta a cima.
Conduzindo-a pelo corpo, deixa-a espalhar-se completamente.
Quando permaneceres livre de desejo, a sabedoria do êxtase-vacuidade aparecerá.
28. Como a lua crescente, a tua vida expandir-se-á, sem traços de velhice;
Terás uma presença radiante e uma força de leão.
Rapidamente alcançarás as realizações comuns e penetrarás o siddhi supremo.
29. Possa este conselho essencial do Mahāmudrā
Habitar os corações dos mais afortunados!
Isto foi o que o Siddha Tilopa disse a Nāropa nas margens do rio Ganges. Que seja virtuoso!
| Traduzido por Ina Bieler e editado por Kay Candler em 2017. Ligeiramente revisto em 2021 e 2023. Tradução inglesa © 2021 Ina Bieler. Todos os direitos reservados. (Reproduzido aqui com permissão). Traduzido do inglês por André. A. Pais, 2024.
Bibliografia
Edições Tibetanas
tai lo pa. "phyag rgya chen po'i man ngag." In bstan 'gyur/ (dpe bsdur ma). Beijing: krung go'i bod rig pa'i dpe skrun khang, 1994–2008. (BDRC W1PD95844).Vol. 26: 1621–1625.
tai lo pa. "grub chen tai lo pa'i phyag rgya chen po gang+gA ma'i gzhung sa bcad 'grel pa dang bcas pa" In 'jam mgon kong sprul blo gros mtha' yas, bkra shis dpal 'byor (ed.). gdams ngag mdzod. 18 vols. Paro: Lama Ngodrup and Sherab Drimey, 1979–1981 (BDRC W20877).Vol. 7: 17a–18b
Versão: 1.0-20241028
-
"Presença não-fabricada" aqui traduz "naked awareness." [Nota da tradução portuguesa.] ↩
-
"Consciência" e "presença" nos segundo e quarto versos ambos traduzem o termo "awareness." A distinção na tradução portuguesa pretende dar uma sensação de progressão entre prática dual e fruição não-dual—intuida no sentido do texto—difícil de passar usando repetidamente o termo "consciência." [Nota da tradução portuguesa.] ↩