Bodhicaryāvatāra—Capítulo III
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Bodhicaryāvatāra: Uma Introdução ao Modo de Vida do Bodhisattva
de Śāntideva
Capítulo III — Adotando Plenamente o Bodhicitta
[1] Alegremente celebro todos os atos de virtude
Que acalmam as dores dos reinos inferiores,
E regozijo-me também quando aqueles que sofrem
Se encontram em estados de felicidade.
[2] Regozijo-me com o acumular de virtude
Que é a causa do despertar,
E celebro os seres que se libertam
Definitivamente da dor do saṃsāra.
[3] Regozijo-me com o despertar dos budas,
E com os bhumis alcançados pelos bodhisattvas.
[4] Alegremente regozijo-me no infinito mar de virtude
Que é a nobre intenção do bodhicitta,
Desejando assegurar a felicidade dos seres
E agindo de forma a trazer o benefício de todos.
[5] Uno agora as minhas mãos e a vós
Eu oro, budas de todos os quadrantes:
Acendei a luz do Dharma sobre nós
Que sofremos na escuridão da confusão!
[6] Com as mãos apertadas junto ao coração,
Instigo todos os budas que anseiam pelo nirvāṇa:
Não nos deixeis cegos e abandonados,
Permanecei connosco por eras intermináveis!
[7] Por graça de qualquer virtude adquirida
Através destas ações agora realizadas,
Possa a dor de todo o ser vivo
Ser afastada inteiramente, para nunca regressar.
[8] Para todos os seres que sofrem no mundo,
Até que a sua doença seja curada,
Possa eu tornar-me o médico e a cura,
E possa eu deles cuidar até que recuperem.
[9] Derramando uma chuva de alimento e bebida,
Possa eu dissipar as dores da sede e da fome,
E naqueles tempos de escassez e penúria,
Possa eu mesmo aparecer sob a forma de alimento e bebida.
[10] Para todos os seres pobres e necessitados,
Possa eu ser um tesouro inesgotável,
Uma fonte de tudo o que possam querer,
Sempre acessível e próxima.
[11] O meu próprio corpo e tudo quanto possuo,
As minhas virtudes passadas, presentes e futuras -
Tudo isto eu dedico, sem nada guardar,
Para trazer o benefício dos seres.
[12] Abdicando de tudo alcançarei o nirvāṇa,
Que é a transcendência da miséria que busco.
Já que tudo deve, portanto, ser abandonado,
Seria melhor doá-lo na totalidade.
[13] Deste meu corpo agora desisti,
Inteiramente para o prazer de todos os que vivem.
Que o matem, espanquem e abusem,
Fazendo eternamente com ele o que lhes aprouver.
[14] E se eles o tratarem como um brinquedo,
Ou um objeto de gozo e escárnio,
Já que o doei,
Porque haveria eu de ficar perturbado?
[15] Deixai-os fazer-me o que quiserem,
O que quer que seja que não os prejudique;
E aqueles que pensarem em mim,
Possa isso trazer-lhes apenas benefício.
[16] Se a visão da minha pessoa inspirar nos outros
Pensamentos de raiva ou devoção,
Possam tais estados mentais tornar-se causas
Que eternamente cumprem os seus desejos.
[17] Aqueles que me insultarem diretamente,
Ou me causarem dano de qualquer outra forma,
E até aqueles que me caluniarem em segredo,
Possam todos ter a felicidade de alcançar o despertar.
[18] Possa eu ser um guardião para os desprotegidos,
Um guia para os que percorrem as estradas,
Possa eu tornar-me um barco, jangada ou ponte
Para todos que desejem atravessar as águas.
[19] Possa eu ser uma ilha para os que buscam terra firme,
E uma lamparina para os que desejam a luz,
Possa eu ser um leito para os que precisam de descanso,
E um servo para todos os que vivem carenciados.
[20] Possa eu ser uma jóia dos desejos, um vaso mágico,
Um poderoso mantra e um remédio espantoso.
Possa eu ser uma árvore milagrosa concedendo todos os pedidos,
E uma vaca da abundância sustentando o mundo inteiro.
[21] Como a terra e os outros grandes elementos,
E como o próprio espaço, possa eu permanecer para sempre,
Sustentando a vida dos seres ilimitados,
Providenciando tudo o que possam precisar.
[22] Deste modo, em todos os reinos de seres,
Até aos confins do próprio espaço,
Possa eu ser uma fonte de tudo o que a vida exija,
Até que os seres passem além da dor do saṃsāra.
[23] Assim como os sugatas de outrora
Cultivaram o bodhicitta e depois, em estágios,
Se treinaram em modos hábeis,
No trilho genuíno dos bodhisattvas,
[24] Como eles, tomo este voto sagrado:
Cultivar o bodhicitta aqui e agora,
E treinar-me para o bem dos outros,
Gradualmente, como o faz um bodhisattva.
[25] Deste modo, todos aqueles cujas mentes são claras,
E que inspiradamente adoptam o bodhicitta,
Irão, de forma a garantir o seu continuado crescimento,
Louvá-lo gloriosamente da seguinte forma:
[26] Agora a minha vida adquiriu profundo significado,
Nascendo encontrei esta existência humana,
E agora nasço na linhagem dos budas,
Como filho ou filha da nobre família.
[27] De hoje em diante, venha o que vier,
Agirei exclusivamente de forma apropriada.
E jamais trarei mau renome
A esta impecável e nobre família.
[28] Pois como um pedinte, miserável e cego,
Que, por acidente, encontra uma jóia,
Agora, de alguma forma, auspiciosamente
O bodhicitta despontou em mim.
[29] Este é o néctar perfeito da imortalidade,
Através do qual o Senhor da morte é derrotado.
É um inesgotável manancial de riqueza
Dissipando a pobreza de todos os que vivem.
[30] É o melhor de entre todos os remédios,
Que cura toda a doença do mundo,
E a árvore que abriga todos os que vagueiam
Fatigados ao longo das sendas da existência.
[31] É a ponte universal para a liberdade,
Levando-nos a todos dos reinos inferiores,
E é uma lua que se ergue dentro da mente,
Apaziguando os anseios de todos os seres vivos.
[32] É o poderoso sol cuja luz dissipa
A escuridão da ignorância nas nossas mentes.
E é a mais pura forma de manteiga
Batida do leite do sagrado Dharma.
[33] Para os seres percorrendo os trilhos da vida,
E que buscam saborear as suas maiores alegrias,
Isto irá saciar a sua eterna demanda,
Concedendo-lhes a mais elevada bem-aventurança.
[34] Então, tendo os budas como testemunhas,
Convido todos os seres à felicidade derradeira,
E, antes disso, às alegrias mundanas:
Possam deuses, asuras e outros regozijar-se!
| Traduzido do Tibetano por Adam Pearcey, 2007. Traduzido do Inglês por André A. Pais, 2023.