A Prece do Solo, Caminho & Fruição
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A Prece do Solo, Caminho & Fruição
do Coração da Essência da Vasta Expansividade
acompanhada pela explicação de Yönten Gyatso
A Expressão de Louvor
Homenagem ao glorioso Samantabhadra!
Para começar, homenagem é prestada ao glorioso Samantabhadra. Samantabhadra é glorioso de duas formas: glorioso num sentido pessoal devido à sua realização do dharmakāya; e por outro lado, devido à sua compaixão, a sua glória estende-se aos outros. Devido a esta glória, todas (Samanta) as esferas de experiência são sublimes (bhadra), o que significa que são puras aparências reflexivas dentro do maṇḍala da sabedoria. A isto se presta homenagem, tendo-se encontrado, cara à cara, a natureza da própria realidade, através do sinal da visão daqueles com faculdades supremas.
O Corpo Principal da Prece
A aspiração a realizar o que deve ser compreendido:
Os três aspectos da mente de sabedoria fundamental
A aspiração a realizar a mente de sabedoria primordialmente pura, livre de projeções conceptuais
A verdadeira natureza das coisas é naturalmente livre de projeções conceptuais.
Não existe, pois mesmo os vitoriosos não a vêem.
No entanto, não é ela inexistente, já que é a base de todo o saṃsāra e nirvāṇa.
Não há aqui contradição, pois está além do reino da expressão.
Possam todos realizar esta Grande Perfeição, a verdadeira natureza do solo!
A natureza original e verdadeira das coisas é o solo de todo o saṃsāra e nirvāṇa. É assim que as coisas realmente são. Por outras palavras, este solo não depende de se ter de cortar todos os conceitos que são constantemente criados pela mente orientada para o caminho, pois ele é naturalmente livre de todas as projeções conceptuais, como existência, não-existência e assim por diante. A lógica aqui é a seguinte: Todas as limitações conceptuais referem-se a existência ou não-existência. As afirmações positivas dos vitoriosos - cujas mentes ilimitadas percepcionam diretamente tudo o que pode ser observado - são feitas apenas para indicar algo através da eliminação de todas as formas de limitação conceptual. Portanto, [o solo]não existe, pois nem mesmo os vitoriosos o vêem ou mostram. No entanto, não é ele totalmente inexistente como uma flor [nascida] no céu, porque a radiância deste solo primordialmente puro manifesta-se sem obstruções.
Experiências confusas surgem para os seres sencientes que não reconhecem isto, enquanto que, para aqueles que o reconhecem, as experiências e os reinos dos budas tornam-se manifestos. Logo, é o solo de todo o saṃsāra e nirvāṇa. Se fosse um objeto da mente conceptual, teria de existir ou não existir. No entanto, uma vez que está além da esfera do pensamento e da expressão, nenhum dos dois se aplica e, assim, não há aqui qualquer contradição. Possam todos realizar esta Grande Perfeição exatamente como ela é, a verdadeira natureza do solo; possam todos realizar a sabedoria do dharmakāya, livre de projeções e primordialmente puro !
A aspiração a realizar a mente de sabedoria dos três kāyas de fruição
Na essência é vazia; portanto, livre das limitações da permanência.
Por natureza é clara e livre das limitações do niilismo.
A sua compaixão desobstruída é a base de múltiplas emanações.
Está dividida em três, mas na verdade não existem tais diferenciações.
Possam todos realizar esta Grande Perfeição, a verdadeira natureza do solo!
Na essência, ela, ou seja, esta consciência fundamental, é vazia e completamente não-estabelecida. Logo, ao contrário dos não-budistas - que acreditam numa consciência real e permanente - e da natureza da escola Apenas-Mente - que é considerada um contínuo permanente, - [esta consciência fundamental] é livre das limitações da permanência.
O imaculado dharmakāya, enquanto forma da própria realidade, é o solo de tudo. Pela sua própria natureza, esta vacuidade é clara e luminosa e, portanto, o sambhoghakāya está espontaneamente presente. Em todas as circunstâncias, seja no momento do solo, do caminho ou da fruição, não sofre qualquer mudança ou flutuação, não aumenta nem diminui. É, portanto, livre das limitações do niilismo.
Enquanto radiância desta consciência-vacuidade unificada, a sua capacidade é livre de qualquer obstrução. Ela é o solo de múltiplas emanações - as ilusórias formas vazias que se manifestam, tanto as puras como as impuras.
É dividida em três componentes distintos, mas, na verdade, no que concerne à essência desta consciência única, não existem tais diferenciações. Possam todos realizar esta Grande Perfeição natural, a verdadeira natureza do solo, sem perder de vista a sabedoria do saṃbhogakāya nos qual os três kayas estão espontaneamente presentes!
A aspiração a realizar a mente de sabedoria que compreende a unidade que desafia o intelecto
Inconcebível e livre de qualquer sobreposição, qualquer fixação parcial
Nas coisas serem existentes ou inexistentes dissolve-se completamente.
O sentido profundo disto revira a própria língua dos vitoriosos.
Sem começo, meio ou fim, é uma grande expansividade de claridade profunda.
Possam todos realizar esta Grande Perfeição, a verdadeira natureza do solo!
Para a mente conceptual, com a sua mente e estados mentais característicos, a natureza precisa deste solo é inconcebível. O objeto - a esfera da realidade - é livre de todas as projeções conceptuais. Embora as convenções "pureza primordial" e "presença espontânea" sejam usadas para fins de comunicação, se nos agarrarmos à existência ou inexistência da esfera da realidade, a mente será vítima de sobreposição e a sua natureza básica não será vista.
O mesmo se aplica igualmente ao sujeito - ou seja, a sabedoria -, uma vez que isto faz com que toda a fixação parcial nas coisas serem existentes ou inexistentes se dissolva completamente na expansividade da realidade. Esta realização, na qual sujeito e objeto são de um só sabor, pode ser expressa em termos convencionais, mas o seu sentido profundo desafia tais expressões; faz revirar a língua dos próprios vitoriosos, soberanos que são no uso de afirmações positivas para descrever a verdadeira natureza das coisas.
Esta inerente consciência pura é desprovida de nascimento no início, permanência no meio ou cessação no fim; é uma grande expansividade de profunda e radiante claridade, espontaneamente presente. Possam todos realizar a Grande Perfeição unificada, a verdadeira natureza do solo - uma realidade inconcebível que desafia o intelecto !
A aspiração relativa ao que nos permite alcançar este entendimento:
Estar-se livre de desvios e equívocos no que concerne aos três pontos-chave do caminho
[A aspiração a] trazer a mente de sabedoria a um ponto de maturação através do solo, ao ser-se apresentado diretamente ao nosso estado original
A sua essência é imaculada, não-originada e primordialmente pura.
O que quer que se manifeste é a expressão desta presença espontânea incondicionada.
Sem o percepcionar como "outro," realizando a grande unidade da consciência-vacuidade,
A compreensão do solo chegará a um ponto de maturação.
Possa não haver desvios e equívocos no que concerne a este ponto-chave do caminho!
A consciência desafia o intelecto. A sua essência não é contaminada por padrões superficiais de pensamento dualista e, portanto, é imaculada. Esta realidade inconcebível transcende características condicionadas; é não-originada e primordialmente pura. O que quer que se manifeste - ou seja, os vários pensamentos positivos e negativos que ocorrem - é a expressão natural dessa consciência incondicionada e espontaneamente presente. Assim, sem os percepcionar como "outro," tais pensamentos libertam-se por si mesmos. Não há necessidade de aceitar e afirmar uns enquanto se rejeita e nega outros. Ao ser-se apresentado diretamente ao estado original e realizando a grande unidade de consciência e vacuidade, a nossa compreensão harmonizar-se-á com a verdadeira natureza do solo e chegará a um ponto de maturação. Possa não haver desvios e equívocos relativamente à libertação natural, este ponto-chave do caminho natural da Grande Perfeição. Possam todos realizar a verdadeira natureza tal como ela é!
A aspiração a ser-se libertado das restrições da visão, meditação e conduta, através da realização direta de um único ponto
Pura desde o início, mesmo o termo "visão" não existe.
Ciente do estado original, o véu da meditação cai por terra.
Não há pontos de referência, logo não é necessário restringir a conduta.
Na natureza espontaneamente presente, este estado de nua simplicidade,
Possa não haver desvios e equívocos relativamente a este ponto-chave do caminho!
A esfera objetiva da realidade tem sido pura desde o início e é desprovida de todas as projeções conceptuais, tais como existência, não-existência e assim por diante. Esta esfera está inextricavelmente ligada ao seu sujeito correspondente, a consciência-sabedoria. Assim, até o termo "visão," que engloba tanto o observador como o observado, não existe. Permanecendo simplesmente atento a esta percepção do estado original, cairá o véu das meditações baseadas em pontos de referência conceptuais, deixando um estado de consciência despida.
Não há aqui, de todo, quaisquer pontos de referência, o que significa que a mente deixa de avaliar as aparências como sendo boas, más ou neutras. Deste modo, não há necessidade de restringir a conduta,fixando-se na ideia de que algumas coisas deverão ser aceites e outras rejeitadas.
Todas as inúmeras aparências que são alvo do aferro e rotulagem da mente conceptual são, portanto, a natureza espontaneamente presente [1] da pureza primordial, a esfera do solo primordial. Dito de outra forma, elas são encapsuladas pelo dharmakaya. Sem perder a capacidade de manter este estado de consciente e nua simplicidade, possam todos vir a realizar diretamente este único ponto! Possa não haver desvios e equívocos em relação a este ponto-chave do caminho e possam todos permanecer completamente absortos na esfera primordial!
A aspiração a levar a realização da inerente ausência de necessidade de aceitação e rejeição a um ponto de maturação, através de confiança na face da libertação
Não caindo em parcialidades relativas a pensamentos positivos ou negativos,
E sem dar rédea solta a um estado de indiferente neutralidade,
Manifestação e libertação — uma expansividade aberta, desconfinada e espontaneamente livre.
Entendendo que esta natureza é inerentemente desprovida de necessidades de aceitação e rejeição,
Possa não haver desvios e equívocos em relação a este ponto-chave do caminho!
Não caindo na parcialidade de afirmar algumas coisas e desconfiadamente negar outras, como é o caso quando nos fixamos em pensamentos vistos como positivos - tais como fé e devoção -, ou negativos - tais como apego e agressividade; e sem dar rédea solta a um estado de indiferente neutralidade e à subtil corrente de pensamentos, não conseguindo abraçá-los com uma inata atenção; a manifestação de toda a gama de pensamentos — bons, maus e neutros — é pura, e a libertação ocorre por si própria, como um desenho feito na água. Já que manifestação e libertação são simultâneas, a expansividade da mente de sabedoria é aberta, desconfinada e espontaneamente livre. Compreendendo que a natureza da consciência primordialmente pura é inerentemente desprovida de necessidades de aceitação e rejeição, e sem apego ou aceitação de algumas coisas e descarte de outras, possa haver uma grande confiança sem desvios e equívocos no que concerne à libertação natural, este ponto-chave do caminho natural do Ati, a extraordinária Grande Perfeição!
A aspiração a alcançar a fruição deste entendimento:
Apoderando-se do trono do tríplice espaço interno
A aspiração a subir ao trono do dharmakaya, o espaço interno da primordialmente pura claridade interior
Como o espaço, a consciência é o solo universal e o ponto de origem.
Solo manifesto espontaneamente presente, e porém desvanecendo-se como nuvens no céu,
A mente irradia-se, projetando-se exteriormente e regressando depois ao interior,
Ao espaço interno do corpo-vaso da juventude, possuindo seis características únicas–
Possam todos subir ao trono desta majestosa fruição!
Primordialmente pura como o espaço, a consciência é o solo universal e o ponto de origem de todo o saṃsāra e nirvāṇa. Neste estado, o solo manifesto é livre de obstrução e está espontaneamente presente, porém as suas expressões e manifestações desvanecem-se como nuvens no céu. Estados dualistas da mente irradiam-se exteriormente, e então os aspectos da experiência que haviam sido projetados, maculados como estão pelas energias kármicas, regressam à clareza interior juntamente com os seus padrões habituais, retornando a um estado de sabedoria subtil. Esta sabedoria subtil está presente no espaço interno do corpo-vaso da juventude e possui seis características únicas : 1) aparece a si mesma, 2) surge do solo, 3) individualiza-se, 4) é libertada através da individualização, 5) não surge de um "outro," e 6) reside em si mesma. Esta é a fruição perfeita e a essência de todos os veículos provisórios, acima da qual nada mais elevado existe. Possam todos subir ao trono d o perfeito e primordialmente puro dharmakaya, permanecendo firmes n esta majestosa fruição!
A aspiração a subir ao trono do nirmāṇakāya, o espaço interior no qual a consciência e a esfera da realidade são indivisíveis
Desde o primeiro instante, a consciência é o próprio Samantabhadra.
Dentro dela, toda a expectativa de obter realização dissolve-se na esfera da realidade,
O verdadeiro caráter da Grande Perfeição, além de qualquer esforço intencional;
A esfera da realidade e consciência, o espaço interior de Samantabhadrī–
Possam todos subir ao trono desta majestosa fruição!
Desde o primeiro instante, esta natureza é ela própria livre de delusão, não sendo necessário basearmo-nos nos ensinamentos de outros. Por esta razão, a consciência é completamente (Samanta) transparente, dentro e fora, e sublime (bhadra) ao ser totalmente pura. Por natureza, a consciência é livre desde o início, e assim, dentro dela, todas as expectativas de obter realização se dissolvem na esfera da realidade. Tais estados são resultado de abandono e realização que a mente conceptual postula, nos veículos inferiores, como tendo de ser concretizados. Este é o verdadeiro caráter da Grande Perfeição natural, a verdadeira natureza das coisas que está além dos esforços intencionais da mente conceptual para abraçar certas coisas e rejeitar outras. A esfera da realidade e a consciência são completamente (Samanta) indivisíveis; elas são o solo a partir do qual se desdobra a dança pura das aparências. Assim, do espaço interno que permeia completamente a sublime (bhadri) expansividade do espaço, possam todos subir ao trono nirmāṇakāya desta majestosa fruição – a indivisibilidade da consciência-sabedoria!
A aspiração a subir ao trono do sambhogakaya, o espaço interior da presença espontânea da perfeição fundamental
Totalmente não-permanente – a natureza da Grande Via do Meio;
Que tudo abarca e espontaneamente vasto – o estado de Mahāmudrā;
Liberto de limitações e plena espaçosidade – o ponto-chave da Grande Perfeição.
As virtudes dos níveis e caminhos fundamentalmente completas – espaço interior espontaneamente presente.
Possam todos subir ao trono desta majestosa fruição!
Totalmente não-permanente, mesmo as formas mais subtis de conceptualidade não conseguem concebê-la como limitada de alguma forma imaginária; não pode sequer ser chamada de "meio." Através do verdadeiro caráter das coisas chega-se diretamente à natureza da Grande Via do Meio. Enquanto mente original, para além de afirmação ou negação, esta mente de sabedoria tudo abarca e é espontaneamente vasta por si mesma. A o tomar a fortaleza deste estado ininterrupto de Mahāmudrā, liberta mo-nos das limitações da subtil tendência habitual de concentrar a mente. Saṃsāra e nirvāṇa são livres desde o início; dentro da plena espaçosidade desta mente de sabedoria o ponto-chave do caminho das instruções essenciais da Grande Perfeição alcançará um ponto de maturação. Todas as virtudes dos níveis e caminhos estão fundamentalmente completas dentro deste grande Ati que tudo abarca. Isto inclui todas as virtudes dos nove veículos: a progressão dos três veículos comuns do caminho do Sutra - o Veículo do Ouvinte, o Veículo do Buda Solitário e o Veículo do Bodhisattva; as três classes de tantra da tradição especial do mantra - Kriyā, Upā e Yoga; e os três tantras internos no Anuttarayoga Tantra - os tantras do Mahāyoga, as transmissões do Anuyoga e as instruções essenciais do Atiyoga. A fruição está presente neste espaço interior espontaneamente presente, o estado do saṃbhogakaya. Possam todos subir ao trono desta majestosa fruição, consciência-sabedoria, dentro da grande expansividade da mente de sabedoria do naturalmente-presente dharmakaya!
A forma como a prece foi proferida
A lógica para a profundidade do seu conteúdo
Esta prece profunda, um resumo do selo
Da essência da vasta expansividade,
A forma como o seu significado profundo foi solicitado por um protector
Foi escrita a mando do protector dos ensinamentos,
O Rishi Rāhula, que assumiu a forma de um monge.
O propósito de codificar a prece conforme solicitado
Para tornar significativa a propagação da realidade profunda
E levar à perfeição esta prece de interdependência,
Como foi delegada de forma a assegurar o cumprimento da sua intenção
Libertei este selo profundo para o yogi louco de Kong.
Confiando-o a este mestre oculto da consciência,
Ele mesmo tendo sido abençoado por Ākāśagarbha.
Possa o benefício que trará aos seres igualar a extensão do espaço!
Conforme solicitado por Lushul Tulku, isto foi escrito por Yönten Gyatso. Possa isto trazer virtude!
| Traduzido do inglês (Cortland Dahl, 2006) por André A. Pais, 2022.
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O termo aqui traduzido como "spontaneamente presente" (lhun grub) não se encontra nos versos raíz das versões Adzom ou Khyentse da prece. Em vez disso, está o significativamente diferente "ter entrado no útero" (lhums zhugs). Porém, optei pela versão que se encontra na explicação de Yönga, uma vez que substituí-la retiraria ao seu comentário todo o sentido. [nota do tradutor inglês] ↩